O ator Adérito Lopes da companhia de teatro 'A Barraca' foi agredido na noite de terça-feira, dia 10 de junho, por um grupo de extrema-direita, em Lisboa, quando entrava para um espetáculo com entrada livre de homenagem a Camões. Na quarta-feira, o Ministério Público (MP) confirmou a abertura de um inquérito para investigar a agressão.
Foi através de uma resposta escrita à agência Lusa que o Ministério Público referiu que se confirma "a existência de inquérito".
A agressão ao ator, recorde-se, ocorreu pelas 20h00 de terça-feira, tendo-lhe sido dado um soco no olho. Adérito Lopes ficou com rasgões na cara e teve de ser levado pelos bombeiros para o hospital, onde levou pontos no rosto.
Note-se ainda que a Polícia de Segurança Pública (PSP), segundo explicou à Lusa, foi chamada ao local por "haver notícias de agressões", onde foi ada por um homem de 45 anos, que "informou que, ao sair da sua viatura pessoal, foi agredido por um indivíduo".
A PSP, com as características do eventual suspeito fornecidas pelo ofendido e por um seu amigo, encetou várias diligências nas ruas adjacentes ao Largo de Santos, tendo sido possível localizar e intercetar um homem com 20 anos, suspeito de ser o autor da agressão, adiantou a mesma fonte.
Grupo que atacou ator 'apagado' do RASI?
O grupo neonazi Blood & Honour estará por trás das agressões aos atores do espetáculo de homenagem a Camões. Há imagens que mostram pelo menos dois elementos da organização, que foi 'apagada' da versão final do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). Esta informação é avançada pelo semanário Expresso, que teve o às imagens captadas após as agressões.
Não tardou até que as reações políticas à agressão ao ator começassem a surgir. O Bloco de Esquerda quer que a próxima conferência de líderes da Assembleia da República agende um debate sobre o Relatório Anual de Segurança Interna 2024 com a presença do Governo.
"Há muito que o Bloco de Esquerda denuncia a ação perigosa de grupos de extrema-direita que atacam e procuram intimidar profissionais da cultura, profissionais de saúde e ativistas sociais e políticos que defendem os direitos humanos. Estas atuações da extrema-direita não estão, infelizmente, a ter o tratamento que deviam por parte dos poderes públicos", criticou Mariana Mortágua, coordenadora e deputada única do partido.
Também na rede social X (ex-Twitter) Mortágua assinalou que “os neofascistas atacam os livros, o teatro e quem faz a cultura”, uma vez que “acham que podem”.
"O Governo do PSD retirou do relatório de segurança interna a ameaça da extrema-direita. É o maior risco à nossa democracia. Solidariedade com o teatro d’A Barraca. Vamos à luta", escreveu a líder bloquista, na mesma rede social.
Já o secretário-geral do P, Paulo Raimundo notou que o Governo "vai ter de retificar" a ausência dos grupos de extrema-direita no Relatório Nacional de Segurança Interna (RASI).
"O Governo vai ter de retificar isso, nem sequer questiono o contrário, nem sequer me a pela cabeça que vá haver algum debate sobre essa matéria, é tão evidente que é preciso retificar que não me parece que haja algum debate sobre isso", afirmou Paulo Raimundo em declarações aos jornalistas na sede nacional do Partido Ecologista 'Os Verdes' (PEV), em Lisboa, após uma reunião com a direção daquele partido.
Também o ex-deputado comunista António Filipe se manifestou, tendo escrito numa publicação divulgada na rede social X (Twitter): "Solidariedade total com Adérito Lopes, ator do teatro 'A Barraca' agredido por neonazis. É urgente acabar com a impunidade destas associações criminosas (as tais que o Governo apagou do Relatório de Segurança Interna)".
O Livre apresentou, no dia de ontem, no Parlamento um voto de condenação pelas agressões a Adérito Lopes, manifestando "profundo repúdio", e Rui Tavares, porta-voz do partido, exigiu uma investigação que "castigue os responsáveis".
"A agressão de que foi alvo o ator Adérito Lopes merece a mais veemente condenação e uma investigação que castigue os responsáveis. É inaceitável que uma peça seja cancelada por causa de um grupo neofascista. É o resultado de não haver clareza na rejeição do discurso de ódio", criticou Rui Tavares, na rede social 'X', antigo Twitter.
Também o PAN acompanou a consternação generalizada, tendo igualmente apresentado na Assembleia da República um voto de condenação às agressões ao ator. "Este incidente representa um gesto de grave violência, intolerância e ódio que não é issível num Estado de Direito Democrático e que infringe frontalmente os nossos valores constitucionais mais básicos, nomeadamente a liberdade de expressão, o direito à fruição e criação cultural e a liberdade de criação cultural", pode ler-se no projeto de voto do partido.
Primeiro-ministro (ainda) não se pronunciou sobre ataque a Adérito Lopes
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, ainda não se pronunciou acerca do ataque de que foi vítima o ator Adérito Lopes. No entanto, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, questionado acerca deste silêncio, referiu não haver "razão para polémica", notando que a ministra da Cultura, Margaria Balseiro Lopes, já se havia pronunciado. A responsável pela pasta da Cultura, Juventude e Desporto, saliente-se, repudiou a agressão ao ator, classificando-a como um "atentado contra a liberdade de expressão, contra o direito à criação, contra os valores democráticos". Salientou ainda que "a Cultura é um lugar de liberdade, nunca de medo".
"A condenação está feita e é clara: estou eu aqui a fazê-la. Não há razão para estar aqui a fazer uma polémica. Temos de nos concentrar naquilo que é essencial, que é a condenação da violência", acrescentou Rangel.
Em representação do Partido Socialista, José Luís Carneiro apelou a uma "palavra de tranquilidade aos cidadãos". "ito que esteja ainda a recolher informação e dados, mas é evidente que é desejável que possa haver uma palavra de tranquilidade aos cidadãos de reafirmação do que são os valores fundamentais da vida em sociedade. O nosso silêncio não pode ser cúmplice de atos, atitudes e comportamentos que atentem contra valores fundamentais", disse o candidato a secretário-geral do PS , em declarações à imprensa.
Carneiro apontou ainda que, na sua ótica, "quer a istração Interna, quer a Justiça devem pronunciar-se sobre esta matéria", a par da tutela da Cultura, que já repudiou o ataque.
"É nestas alturas que se justifica, do meu ponto de vista, uma palavra pública, por um lado para repudiar, por outro lado para dar uma palavra de tranquilidade pública e de esclarecer o que está a ser feito para, o mais rapidamente possível, levar os responsáveis destes atos à justiça", reforçou.
Por seu turno, do lado do Chega, André Ventura afirmou que "toda a violência deve ser condenável e deve ser condenada", clarificando que o partido que lidera condena o ataque ao ator da companhia de teatro 'A Barraca' Adérito Lopes, bem como qualquer "violência cometida quer contra grupos sociais, quer contra grupos políticos".
Ventura reiterou que o Chega é "contra todo o tipo de violência, seja ela cometida contra quem for, seja ela cometida por razões que for", vincando que "a política portuguesa não pode ter lugar para a violência" e que é preciso que "não haja a violência boa da esquerda e a violência má da direita".
"O que não podemos é ter presidentes, primeiros-ministros e responsáveis políticos que, quando há um determinado tipo de violência, ficam em silêncio, a ver se o assunto morre e quando há outro tipo de violência, parece que há uma série de comentadores, políticos e jornalistas que adoram dizer as palavras extrema-direita e neonazista".
"Inaceitável" e "atentado contra liberdade de expressão"
"Em Democracia há e tem de haver liberdade de pensar e exprimir o pensamento". As palavras pertencem ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que referiu que "vivemos em Democracia e não queremos voltar a viver em ditadura", ao mesmo tempo que recordou que "em Democracia há e tem de haver liberdade para pensar e exprimir o pensamento, de forma plural e sem censuras".
Marcelo Rebelo de Sousa falou ainda, por telefone, com a encenadora da peça 'Amor é fogo que arde sem se ver', Maria do Céu Guerra, tendo transmitido a sua "solidariedade, extensiva a toda a companhia e seus atores".
O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar- Branco também se pronunciou, exigindo "tolerância zero em relação à intolerância" e manifestando o seu "mais vivo repúdio contra uma situação de violência inaceitável".
Já o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, afirmou ter-se aliado aos atores da companhia de teatro 'A Barraca' e notou que "a violência é inaceitável".
“Juntei-me, em solidariedade, aos atores do teatro A Barraca após a agressão a um dos membros do elenco. A violência é inaceitável”, escreveu o responsável, na rede social X (Twitter).
Mais tarde, Carlos Moedas reforçou que este tipo de ataques é "inissível", caracterizando-o como "um ataque à nossa identidade, à nossa cultura e isto não pode acontecer em Lisboa".
Por fim, o candidato presidencial Luís Marques Mendes descreveu o ataque como "inissível, intolerável, inaceitável".
"Absolutamente inissível, intolerável, inaceitável. Toda a violência tem de ser combatida. Não pode haver qualquer tolerância”, disse, acreditando que se impunha, além de “um discurso firme”, que “haja também ação dos tribunais a sancionar quem tem um comportamento desta violência”.
Agressão a Adérito Lopes foi notícia lá fora
O ataque ao ator Adérito Lopes foi destacado na imprensa internacional, nomeadamente, através de um artigo da Reuters que se intitula 'Neonazis atacam atores em Lisboa, perturbando as celebrações do Dia de Portugal'.
O artigo dá conta não só da ocorrência, que foi uma agressão "violenta", como também das reações, nomeadamente, na posição do Governo e do panorama geral da atualidade política.
"A União Europeia afirmou que o discurso de ódio está a aumentar em Portugal e que a extrema-direita está a ganhar apoio depois de o partido anti-imigração Chega se ter tornado a principal oposição no Parlamento nas eleições do mês ado", escreve a agência de notícias esta quarta-feira.
Concentrações em solidariedade com ator convocadas para domingo
Foram convocadas concentrações, no Porto e em Lisboa, para o próximo domingo, em solidariedade para com o ator Adérito Lopes.
A concentração 'Não queremos viver num país do medo' foi marcada para as 16h00 em frente ao Teatro A Barraca, em Lisboa, e para as 18h00 na Praça da Batalha, no Porto. É promovida pela sociedade civil e está a ser divulgada nas contas de várias associações nas redes sociais, entre as quais a SOS Racismo e a Plateia - Associação de Profissionais das Artes Cénicas, e de estruturas artísticas como a Palmilha Dentada, os Artistas Unidos e a Plataforma 285.
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